sábado, 29 de maio de 2010

Sobre a História de Sobral

Li, na Internet, interessante Artigo que versa acerca da História de Sobral, o qual transcrevo abaixo:
"ESCOLA DE FORMAÇÃO PERMANENTE DO MAGISTÉRIO – ESFAPEM
ENCONTRO DE FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO 6º ANO
HISTÓRIA – JANEIRO / 2009
SOBRAL – HISTÓRICO E EVOLUÇÃO URBANA
INTRODUÇÃO
Alguns núcleos urbanos surgidos no litoral caracterizam-se, geralmente, pela posição hegemônica que exercem desde o período colonial em suas regiões. Salvador, Recife, Rio de Janeiro e outras cidades litorâneas, tornaram-se, nos primeiros séculos da colonização, sedes do aparelho burocrático e militar, ao mesmo em que se fixaram como centros de grande importância econômica. Neste contexto, Fortaleza, a capital do Ceará, constituiu uma exceção. Os primeiros núcleos urbanos cearenses que alcançam relevância econômica surgiram no interior, decorrentes do assentamento de correntes migratórias oriundas, sobretudo, da Bahia, de Pernambuco e da Paraíba que penetram neste território pelo sertão.
Até o final do século XVIII, o Ceará ficou subordinado à jurisdição de Pernambuco, sendo emancipado pela Carta Régia de 1799. Antes disso, Fortaleza e Aquiraz envolveram-se numa acirrada disputa política pelo privilégio de sediar a administração local, na qual tomaram parte capitães-mores, fazendeiros, padres e soldados. Aquiraz foi elevada à condição de vila e sede da província em 1713 e, na década seguinte, em 1726, foi instalada a Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. A partir de então, as duas vilas dividiram o poder: Fortaleza ficou como sede da capitania do Ceará e Aquiraz como sede da Ouvidoria. Cabe ressaltar que na estrutura do Brasil colonial, o Ouvidor Geral era autoridade suprema da Justiça.
Contudo, durante o século XVIII, Fortaleza não conseguiu ocupar lugar de relevância na dinâmica econômica da capitania. Longe dos centros de produção e comercialização manteve-se economicamente frágil por um longo período. Os primeiros pontos de relevância econômica para a capitania, como já observado, desenvolveram-se na região interiorana cuja ocupação teve inicio ainda no século XVII. A colonização da capitania do Ceará coincidiu, pois, com a época em que se iniciou a ocupação do interior do Brasil. Seguindo o curso dos rios, o colonizador passou a ocupar a explorar as terras que, aos poucos, tornaram-se local de criação de gado.
Do Recôncavo Baiano ganharam, as boiadas, o vale do São Francisco, alcançado junto àquelas vindas de Pernambuco, as várzeas do Jaguaribe, do Acaraú, e por elas propagaram os currais, desdobrando-se, assim, as fazendas de criar na Capitania do Ceará. ¹
Os pedidos de terras para pecuária datam do final do século XVII e se referem a áreas localizadas nas imediações do rio Jaguaribe. As fazendas foram, portanto, os elementos responsáveis pela formação dos primeiros núcleos de povoação da capitania, que se fixaram ao longo dos rios Jaguaribes e Acaraú. Datam dessa época as cidades de Icó, Aracati e Sobral.
Em meados do século XVIII, a pecuária consolidou-se com a primeira atividade de importância econômica para o Ceará, graças, sobretudo, à produção da carne seca, cujo excedente atendia à demanda da zona açucareira. Nas primeiras fábricas de beneficiamento da carne de gado, as chamadas oficinas, charqueadas ou feitorias, sempre localizadas próximas aos rios, o gado abatido era transformado em carne salgada e couro tratado, destinados à exportação. Desse modo, diminuíam-se os prejuízos decorrentes do transporte do gado até os pontos de comercialização e ganhava-se também com a venda. Assim, foi se formando um mercado interno que, até essa época, era praticamente inexistente e, com o aumento da produção, tornou-se premente o aparecimento de pontos de comercialização. Surgem, então, os primeiros núcleos urbanos cearenses.
Em meados do século XVIII, as vilas de Icó e Aracati consolidam-se como os núcleos econômicos dominantes da capitania, ultrapassando os limites do Vale do Jaguaribe, onde estão localizadas, para impor o seu comércio e poder político em todo o Ceará. Aracati, elevada a vila em 1748 e localizada no litoral, teve sua importância realçada em decorrência de sua maior proximidade com Salvador e Recife e também em função do seu porto, por onde era escoada a produção de carne seca de todo o vale. ²
Estando Sobral localizada na várzea do Rio Acaraú e no centro de uma área cruzada por dois importantes rios – o Coreaú e o Aracatiaçu – dos quais mantém privilegiada eqüidistância, teve facilitada a sua ascensão a núcleo hegemônico da região. Ao longo das estradas que margeavam essas ribeiras surgiam currais e núcleos de moradores que escoavam sua produção para Sobral e, ao mesmo tempo, constituíam praças que alimentavam o seu comércio. Os produtos oriundos do desenvolvimento da pecuária eram exportados através do porto do Acaraú para os principais portos da Colônia, possibilitando, em troca, a entrada de objetos de luxo como pratarias, porcelanas, cristais, móveis de jacarandá e matérias de construção – elementos indicativos de prosperidade econômica e símbolos do poder ascendente de determinados grupos locais. ³ Essas e outras mercadorias seguiam do porto para Sobral e, depois, ganhavam fazendas e povoados próximos.
Desde o início da ocupação do Vale do Acaraú os primeiros povoadores e seus descendentes mantiveram estreita ligação com o Maranhão, o Piauí, a Bahia e, principalmente, Pernambuco4. As relações com essas áreas, sobretudo as de natureza econômica, se mantiveram ao longo dos anos. No que diz respeito à Fortaleza, contudo, somente durante o século XIX as relações forma intensificadas.
O couro e o algodão tornaram-se dois produtos fundamentais na economia sobralense no século XIX5. O aumento do cultivo do algodão no final deste século concorreu para a mudança das ligações ente o litoral e o interior, implicando, inclusive, a efetivas consolidação do poder administrativo e político de Fortaleza.
Além do comércio e das atividades agropastorais, Sobral passou a se dedicar, durante o século XX, à atividade industrial. A instalação da Fábrica de Tecidos de Sobral, de propriedade da firma Ernesto, Sabóia e Companhia, em 1895, foi um marco econômico que influenciou a configuração do espaço urbano. Para a cidade, passou a convergir a produção do extrativismo da região (carnaúba e oiticica), da bacia leiteira e da atividade agrícola, bem como a instalação de indústrias que buscavam aproveitar os recursos naturais da agropecuária e do extrativismo mineral (argila e calcário)6. Entre as fábricas instaladas se destaca o Grupo Votorantim.
A vinda da empresa de calçados Grendene Sobral S.A., nos anos 90, implicou uma significativa mudança na economia da cidade. A política de interiorização da economia, promovida pelo atual Governo do Estado, que inclui a isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços) e facilidades de implantação para as fábricas, beneficiou muito Sobral. Em decorrência dessa política, cresceu a instalação de outras fábricas de grande porte no Ceará, a exemplo da Dakota na região metropolitana de Fortaleza.
Atualmente, ao mesmo tempo em que Sobral assiste à implantação da Grendene e à instalação de diversas microempresas, assiste também ao declínio de duas empresas tradicionais, como, por exemplo, as que se dedicam ao curtume e aos produtos de palha.
A OCUPAÇÃO DO VALE DO ACARAÚ
Segundo diversas referências historiográficas já consagradas, um dos modos de formação de espaço territorial cearense foi a ocupação do sertão por criadores de gado oriundos de outras regiões brasileiras, como Pernambuco e Bahia. Caio Prado Júnior mostra-nos os percursos realizados que resultaram na formação sócio-espacial do interior cearense:
“No Ceará confluem os dois movimentos: o da Bahia que, de retorno do Piauí, se desvia para leste, atravessa o cordão de serras que separa esta capitania (serras da Ibiapaba,Grande), e se estabelece na região limítrofe, bacia do Poti, onde hoje está Crateús, e que por isso pertenceu de inicio ao Piauí, só sendo anexado ao Ceará em época muito recente, 1880 (em virtude do Dec. Nº 3012 de 22 outubro daquele ano). Além disso, o gado do Piauí serviu para recompor os rebanhos cearenses dizimados periodicamente pelas secas. O movimento baiano também se infiltra no Ceará pelo sul, nos Cariris Novos. E enquanto isso, o Pernambucano alcança o Ceará pelo oriente e vai ocupar a bacia do Jaguaribe”7.
Os caminhos traçados pelas boiadas foram fundamentais para a ocupação do Ceará. O gado trazido principalmente de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, desde do início da colonização, definiu percursos que tinham como destino as ribeiras dos rios onde foram surgindo os primeiros povoados.
“Sem sombra de dúvida, os rios Jaguaribe e Acaraú foram os dois primeiros pontos essenciais da colonização; e, ao mesmo tempo, serviram de estradas onde se desenvolveu a marcha de ocupação da Capitania; e depois escoradouro das manadas de corte para os mercados consumidores”. 8
Na região compreendida hoje pelo estado do Ceará, existiam três distritos ou “ribeiras” que integravam a Capitania de Pernambuco, de 1688 até 1799: Siará, Acaracu (Acaraú) e Jaguaribe.
Na ribeira do Acaraú, o processo de ocupação iniciou-se nas fazendas de criar e contou com apoio o oficial dado aos colonos no combate aos silvícolas. As terras entre o Rio Acaraú e a Serra da Ibiapaba eram originalmente ocupadas por diversas nações indígenas como os Tremembés e os Anásses. Na serra viviam os Ararius e Tabajaras. Os indígenas eram submetidos por armas ou por aldeamentos missionários como o da Serra da Ibiapaba, um dos maiores da América Latina.
Entre o rio Acaraú e a serra da Meruoca se instalaram as fazendas do vale, graças aos incentivos reais para a ocupação do território interiorano brasileiro, estabelecidos no Alvará Real de 1650, que regulamentava as concessões de sesmarias, determinando que:
“... os Governadores em benefício da povoação e lavoura das terras do Brasil as dessem em sesmarias a todas as pessoas que, com mulher e filhos, viessem para qualquer parte do Brasil”.9
As primeiras justificativas para os pedidos de sesmarias na região do Vale do Acaraú dirigem-se à Capitania de Pernambuco, onde as terras para criação tornavam-se escassas, em virtude da expansão das plantações canavieiras, o que obrigava os criadores a buscar outras paragens.
“porque não têm na Capitania de pernambuco terras próprias capazes para a quantidade de gado vacum e cavalar, e que, os vinha comboiando até a Capitania por distancia de duzentas léguas de matos fechados e terras de tapuias bárbaros... deliberaram buscar paragens convenientes, e caminhando desta Força para parte de Maranhão toparam um rio por nome Caracu (Acaraú) na distância de quarenta e cinco léguas, nas ribeiras do qual se podem colher fontes e pastar gados com grande aumento da Fazenda Real desta Capitania...”.10
Nos limites da sesmaria concedida na área correspondente à atual cidade de Sobral, em 1702, que media “03 léguas seguindo o curso do Rio Acaraú, com meia légua de largo para cada banda do rio”11, surgiram, na margem direita, as fazendas Várzea Grande e Marrecas, e na margem esquerda, Caiçara, Cruz do Padre e Pedra Branca.
Esses ocupantes da Ribeira do Acaraú, - quer fugidos de guerras holandesas, quer vindos de Portugal em busca de melhores condições de vida nos litorais de Camocim e Jeriquaquara ou de novas terras para criar seus gados – tinham a pecuária como atividade básica de suas vidas. Esta atividade caracterizou a constituição dos núcleos urbanos do Acaraú, transformando-o na segunda região econômica do Ceará, depois da Ribeira do jaguaribe. O florescimento da região ganhou força quando, em meados do século XVIII, a serra da Meruoca firmou-se como produtora de alimentos. A área apresentava condições propícias à cultura de subsistência, aos engenhos de açúcar, com produção de mel e rapadura, aos alambiques para a produção de aguardente e às plantações de café. Tornou-se, portanto, uma espécie de celeiro que vêm abastecendo desde então a região e elemento fundamental para a consolidação do núcleo urbano em estudo.
A FAZENDA CAIÇARA E O CURATO DE N. SENHORA DA CONCEIÇÃO DA RIBEIRA DO ACARAÚ
O estudo dos primeiros caminhos traçados na região é fundamental para a compreensão da formação do espaço territorial sobralense. As trajetórias das boiadas constituíram caminhos que convergiam para a área em que se localizava a fazenda Caiçara. Esta, geograficamente bem disposta, pela proximidade das águas do rio Acaraú e do celeiro dos gêneros alimentícios na Serra da Meruoca, aglutinou em seu entorno atividades que fixaram os novos moradores e trabalhadores. Segundo Carlos Studart Filho, a Estrada da Caiçara vinha das praias e prolongava-se
“pelas caatingas da Santa Quitéria (...) atingindo Quixeramobim, onde passavam a estrada nova das boiadas”12.
A fazenda Caiçara servia ainda como ponto de referência na região da Ribeira do Acaraú para a organização das boiadas13 com destino a Pernambuco, Maranhão e Bahia. Da fazenda, as boiadas partiam em comboio para proteger-se contra saqueadores e índios bravios.
Esta foi implantada em terras concedias em sesmaria ao português Antonio da Costa Peixoto, vereador da cidade Aquiraz, em 1702.14 Posteriormente, as terras passaram em herança a seus filhos sendo a parte herdada por Apolônia da Costa, sua filha e mulher do sargento –mor Antonio Marques Leitão, a que corresponde ao perímetro da cidade de Sobral. A propriedade teria passado, em seguida, para a filha deste casal, Quitéria Marques de Jesus, como dote de seu casamento com o capitão Rodrigues Magalhães.
Referida fazenda media, segundo descrição no Auto do Inventário de Quitéria Marques de Jesus.
“... uma légua de terra e meia de cada lado do rio Acaraú e limitava-se ao Norte com a fazenda Macaco, onde residia o Capitão Antonio Rodrigues Magalhães e a sul com as terras da fazenda Sobrado, de Manuel Cardoso, casado com D. Francisca Diniz”.15
A fazenda passou, então, atrair mercadorias viajantes que viviam da venda de seus produtos por todo o sertão. Assim, capitaneada pelo comercio do gado, iniciou-se uma rede de trocas na região quando, dos centros comerciais receptores da carne seca, eram trazidos diversos produtos e escravos que ali chegavam através dos portos de Camocim e Acaracu.
O desenvolvimento da técnica de conservação da carne de boi resultou no estabelecimento de centros distintos, especializados em cada um dos segmentos da atividade pecuária: criação de gado, produção (da carne seca) e comercialização. O salgamento das carnes além de diminuir os prejuízos decorrentes das viagens, colocava subprodutos do gado na pauta de exportação, constituindo, no dizer de Capistrano, a base da chamada “civilização do couro” que se estende por todo o século XVIII. Demonstrando a expansão do produto na região, já no ano de 1728, com a instituição do subsidio as bodas reais sobre cada gado cavalar e vacum que fosse exportado, o Governador da Capitania de Pernambuco arrematou 270$000rs na Ribeira do Acaraú.
Existia no século XVIII um intenso trânsito entre a Vila de Sobral e o porto do Acaraú. Segundo D. José Tupinambá da Frota, nos meses de verão, chegavam a trafegar por este caminho cerca de 900 carros (de boi)16. Assim, com a vantagem de localizar-se no entroncamento dos caminhos das boiadas, Sobral foi se destacando no interior do Ceará por meio da criação de gados, da comercialização de carnes, couramas, charque e outros produtos, passando a receber habitantes de outras capitanias ou ainda do próprio termo Vila, atraídos pelos serviços do novo núcleo. Em 1776, já existiam 105 fazendeiros em seus arredores.
Segundo Valdelice Carneiro Girão17, a Estrada da Caiçara era a via da região Norte do Ceará que cumpria a função de ligar os pontos povoados da ribeira do Acaraú com o litoral e, na outra direção, com as áreas férteis do Inhamus, por onde se penetrava nas terras piauienses.
Até a elevação da povoação à categoria de vila em 1773, o povoado manteve-se com o nome de Caiçara, quando então passou a chamar-se Vila Distinta e Real de Sobral. Uma Ordem Régia de 22 de julho de 1766 determinou a necessidade da existência de, no mínimo, 50 fogos na sede da povoação a ser transformada em vila. No início da década de setenta, a povoação já contava com 75 casas18, o que indica uma relativa prosperidade, e com um núcleo estruturado que possibilitava a instalação de mais atividades e a atração de um numero maior de pessoas. Segundo Vilhena, a principal vila do distrito de Acaraú era Sobral, e justifica sua afirmação dizendo ser ela a mais rica e populosa de toda capitania.
“... couros, solas, carnes, produtos dos múltiplos gados que nele se criam podendo estender-se o número de suas fazendas de gado até duas mil
... Todos os gados que não se empregam no consumo dos habitantes são levados para as matracas do Camosi, Acaraú e Itapajé, onde fabricam as suas carnes, secando-as e salgando os couros”.19
É importante ressaltar que, durante o ciclo do couro, período em que o charque e o couro fizeram da pecuária uma atividade prospera no sertão nordestino, as oficinas de industrialização da carne seca e salgada localizaram-se em Acaraú enquanto a vila de Sobral centralizava todo o comércio com o gado. O mesmo aconteceria mais tarde com o algodão e a cera de carnaúba. Outro aspecto relevante para a compreensão do processo de ocupação do Vale do Acaraú e posterior consolidação de Sobral como núcleo urbano foi a prática religiosa. Levada pelos “desbravadores”, ela se manifestava, sobretudo, no culto a santos e devoções a padroeiras, resultando, pouco a pouco, na fixação de pequenas concentrações em torno dos espaços onde ocorriam as celebrações, festas e obrigações religiosas. Diversas localidades – Acaraú, Santa Cruz, São José, Caiçara e Meruoca – têm Nossa Senhora da Conceição como padroeira, além de Nossa Senhora Santana e Nossa Senhora do Rosário de Guimarães.
“Foi em torno destas capelas levantadas graças à generosidade e ao espírito de fé destes heróicos habitantes de nossa terra que nasceram as cidades de Sobral, Santana do Acaraú, Meruoca, Bela Cruz e distrito de Patriarca”.20
Exemplo dessa tendência, a Matriz da Caiçara, localizada à margem do Rio Acaraú, construída na primeira metade do século XVIII, tornou-se um ponto aglutinador dos primeiros habitantes da região, tendo deslocado esse papel da povoação de São José (atual Patriarca), quando a fazenda Caiçara passou a ser identificada como centro de toda a freguesia do Acaraú. Um ponto fundamental nesse processo foi o fato do povoado da Caiçara ter-se tornado sede do Curato de Nossa Senhora da Conceião da Ribeira do Acaraú, em 1742, e de aí ser determinada a construção da Matriz do Curato. A Matriz, construída em terreno cedido pelo Capitão Antonio Rodrigues Magalhães, proprietário da fazenda Caiçara, funcionou de 1746 a 1762, quando foi demolida para a construção de uma nova igreja. As referências indicam que a antiga capela situava-se a 2,70m à frente da atual Matriz.
De acordo com as informações sobre o Povoado da Caiçara, “o curato do Acaraú... tinha por centro a povoação, lugar então mais populoso, que pelo seu comércio, ainda em princípio, atraía os habitantes da ribeira, que ali compravam e vendiam as suas mercadorias”21. Encontra-se aqui uma relação que será predominante na composição da sociedade sobralense: religião e comércio. Os trabalhos e os modos de sociabilidade ligados às fazendas e às celebrações religiosas foram os elementos constituidores das povoações desta região.
Cabe sublinhar uma prática introduzida na região com a criação do Curato, que era a obrigação de se pagar ao Cura um boi por cada fazenda. Isto, segundo Pompeu Brasil, teria implicado a necessidade de comunicação periódica do Cura com todos os fazendeiros, ultrapassando, assim, sua função sacerdotal e assumido uma atividade de controle de rendas. O mesmo autor destaca que essa articulação entre religião e economia pode explicar uma das primeiras formas de convergência da vida social do Curato.22
Percebe-se também a importância da religião na constituição do espaço sobralense observando-se a evolução gradativa do espaço religioso: de um oratório construído em taipa, passou-se a uma capela, e, posteriormente, a uma Matriz. Cada um desses momentos significou a constituição de diferentes sociabilidades. A Caiçara passou a ter sua Matriz com a construção do Curato, episódio que representou a centralização do poder religioso. Em conseqüência, a localidade tornou-se o principal ponto de convergência das populações rurais por ocasião das festas religiosas. Isto, sem dúvida, contribuiu muito para a consolidação do núcleo urbano e para o aumento de sua dinâmica comercial e social, bem como para o fortalecimento do poder religioso, anteriormente disperso e sem organização hierárquica. Neste sentido, a justificativa da Igreja Católica para dar início à construção da Matriz é exemplar. Em 1751, mesmo ano em que os proprietários da fazenda resolveram se estabelecer na Caiçara, foi proibido o uso de altar portátil para celebrações. A proibição significou a recusa da Igreja em deslocar-se em direção às povoações mais distantes, obrigando a formação de um fluxo inverso, isto é, das pessoas em direção à igreja. A partir da construção da Matriz, iniciou-se, de fato, um incremento no fluxo de pessoas para a região da Caiçara, em torno de casamentos, batismos, missas, festas, novenas.23
Assim, a criação de gado; o estabelecimento da Igreja Católica, exercendo o controle religioso sobre as pessoas e os grupos; e o comércio, inicialmente do couro e depois do algodão, definiram, durante o século XVIII, a ocupação do Vale do Acaraú e a constituição do núcleo que viria a ser, mais tarde, a cidade de Sobral.
Pompeu considera que a mercadoria básica do século XVIII era o boi, e que a prática de tanger boiadas para praças de mercado melhoraram e aumentaram os caminhos, os transportes e a comunicação entre a zona Norte e os centros consumidores. Isto, sem dúvida, reforçou a posição central de Sobral nesta região24, beneficiando-a sobremaneira.
Sobre a virada do século XVIII para o XIX, a historiografia comenta a decadência das exportações da carne seca no Ceará, em razão da seca de 1790/94, que também atingiu Sobral. Informa também sobre as modificações ocorridas nas atividades econômicas, ressaltando uma nova fase, iniciada com os investimentos na agricultura, onde o cultivo do algodão se sobressai.
No começo do século XIX, iniciou-se a exportação do algodão, armazenado em Sobral e embarcado pelo porto do Acaraú. Alguns anos mais tarde, foi instalada uma alfândega provisória para controle das transações comerciais. Conforme observa Pompeu, isso mostra que esta cidade era uma dos nós de uma grande rede de estradas que cortava todo o estado.25
A CONSTITUIÇÃO DOS NÚCLEOS DA MATRIZ E DO ROSÁRIO
Na escritura, de 1756, que firma a doação de terras, pelos proprietários da fazenda, para a construção da matriz da Caiçara, há a seguinte descrição:
“... sem brasas de terra, pegando da Esquina da mesma Igreja da dita Senhora, buscando a sítuasão da dita sua Fazenda, e outras sem brasas pegando da Esquina da parte de cima da dita Igreja buscando o lugar chamado Fortaleza, e assim mais outras sem brasas, pegando da porta principal da dita Igreja, buscando a serra da Beruoca, e da Esquina da sacristia até a rebanseira do rio Acaraú para de ai servir a Senhora arendando aos que nella quizerem fazer suas cazas e não poderem ter os ditos rendeiros, gados vacum nem cavalar nos ditos lugares, e outros se rezervam elles doadores para si lugar para dez moradas de cazas entretanto neste número as cazas do Tenente Joam Marques da Costa, e assim mais chãos para huma morada de cazas par o Coronel Francisco Ferreira da Ponte e Silva...”.26
Como se constata, a escritura contém claramente a intenção de propiciar, além da Matriz, a construção de um povoado. Isto fica explícito na proibição aos rendeiros de terem gado vacum ou cavalar e na reserva de espaços para a edificação de dez casas de moradia para os proprietários.
Em princípio do século XVIII, os moradores do chão da Caiçara eram vaqueiros, agregados, escravos do gentio da terra e escravos negros, ocupados com gado e outros trabalhos da fazenda. Com os arrendamentos feitos em meados do mesmo século eles tornaram-se os primeiros habitantes do núcleo urbano.
A criação da Vila de Sobral, em 1773, veio a fortalecer o Curato da Caiçara como espaço de aglutinação de diversos moradores ao redor da Matriz. O mesmo processo de concentração de moradias ocorreu em torno das Igrejas do Rosário e do Bom Parto.Por essa época existiam doze ruas na vila: a de Rua Nossa Senhora do Carmo(lado direito da Praça da Matriz); a Rua detrás da Matriz; a Rua Defronte da Matriz; a Rua Esquerda da Matriz; a Rua do Rio(atual Rua das Dores); a Rua Nossa Senhora dos Milagres(lado Norte da Praça da Prefeitura, atual Câmara) a Rua do Negócio(atual Rua menino Deus); a Rua Nossa Senhora do Bom Parto(atual Pe. Fialho); a Rua da beira do Rio(atrás da capela das Dores); a Rua da cadeia(atrás da Câmara); a Rua da Campina da Jurema(Praça da Várzea) e a Rua da Gangorra(atual Apolo, continuação da Nossa Senhora dos Milagres.27
Analisando essas ruas, percebe-se que as primeiras estavam em volta da matriz ou nos seus arredores. Além delas, existiam também casas de morar nos arrebaldes da Fortaleza e do rosário. Em 1771, a Câmara determinou que “as pessoas que tivessem casas em construção dentro da Villa estavam obrigadas a concluí-las dentro do prazo de um ano, além de proibir a construção de casas de palha, a não ser nos arrabaldes”28. No ano de 1775, a Câmara mandou que fosse feita a planta da Cadeia bem como o respectivo orçamento para sua construção.29 Este primeiro edifício foi construído em área próximo à matriz, sendo substituído pelo atual na metade do século XIX. É provável que as duas Cadeias existissem em 1830, mas foi sobre a nova que foi construída , em 1848, a Casa da Câmara configurando a feição com que o prédio hoje apresenta, acrescido apenas de algumas alterações processadas no final do século XIX.
A necessidade de disciplinar a nova Vila levou o poder público a exigir dos moradores a conclusão de suas casas em construção e a determinar que todos os que tivessem chãos aforadas devessem “... construir dentro de seis meses sob pena de perder seus diretos”.30 Isto não significa que o discurso da Câmara sobre a disciplina da Vila tenha, na prática, se efetivado tal qual suas determinações. Porém, aponta para a existência de uma necessidade de organizar a cidade nas áreas que estavam se configurando como pontos de concentração.31
No final do século XVIII, começa a se desenvolver um segundo núcleo urbano em chãos aforados pela irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretinhos. Antes, na primeira metade desse século, negros livres, através dessa Irmandade, conseguiram 30 braças de terra, doadas por Vicente Lopes Freire, para a construção de uma capela onde seria colocada a imagem da Senhora do Rosário. Alguns autores sugerem que neste local teria havido um nicho de taipa que congregava os negros nessa devoção, o que indicaria, portanto, que já utilizavam normalmente a área como ponto de reunião. De fato, em todo o Brasil, no século XVIII, não era permitido aos negros entrarem na s Igrejas ou Capelas dos brancos, podendo ficar apenas em seus adros. Ao mesmo tempo, a evangelização dos escravos era não somente uma exigência da Igreja mas uma necessidade de manutenção do poder na sociedade escravocrata. Isto resultou na organização de irmandades de negros e mulatos que assim reunidos, conseguiram apoio para construir seus próprios templos, organizarem-se como grupo e ampararem-se mutuamente nessa situação social adversa. Em 1777, foi construída, neste local, Igreja do Rosário, hoje a mais antiga existente em Sobral. Este templo, provavelmente, aglutinou também negros das outras fazendas da circunvizinhança da Caiçara, como a Córrego da Onça, a Cruz do Padre e a Várzea Grande, criando-se, assim, um espaço de sociabilidade e construção de identidades por ocasião de festas da padroeira, casamentos, batizados e outros atos litúrgicos.
A escritura de compra do terreno em torno deste templo, pela Irmandade de Nossa Senhora dos Pretinhos, em 1795, tinha como cláusula a obrigação de aforar o chão para a construção de moradas. Este documento também menciona que aí já existiam algumas poucas casas, indicando a formação de um assentamento urbano. Isto também se confirma com a informação da existência, já nessa época, das Ruas Velha do Rosário (atual Coronel José Sabóia) e Nova do Rosário (atual Ernesto Deocleciano) que faziam a ligação entre esse assentamento e o núcleo já consolidado em torno da Matriz.
De acordo com Liberal de Castro, “é provável que os dois núcleos – o da Matriz e o do Rosário – o primeiro dedicado à devoção dos brancos e o último, à dos negros, não tivessem interligação nos primeiros tempos como se pode deduzir da denominação Rua Velha do Rosário, que parece ter sido inicialmente o caminho da Igreja do Rosário, que parece ter sido inicialmente o caminho da Igreja do Rosário ao matadouro, no fim da Rua da gangorra, local de trabalho dos escravos”.
A formação do núcleo do Rosário, pode estar também relacionada aos caminhos por onde circulavam produtos e escravos entre a Serra da Meruoca, o núcleo em torno da Matriz de Caiçara e a estrada de boiadas que cruzava o Rio Acaraú. Isto porque, sendo a Meruoca um celeiro agrícola e lugar de morada de alguns fazendeiros, era natural a sua ligação com a Vila de Sobral, centro de comercialização de produtos e de vida social. Assim, no trajeto entre esse dois pólos e ponto de travessia do Rio Acaraú, o núcleo do Rosário pode também ter se constituído numa de suas paradas estratégicas.
A consolidação dos dois núcleos urbanos relaciona-se ainda ao desenvolvimento de determinadas atividades: rede de trocas, comércio ou abastecimento. Nas proximidades do Rosário, floresceu função comercial especialmente quando, na primeira metade do século XIX, foi aterrado o brejo ou alagadiço que separava originalmente os dois núcleos, para ser construído um mercado público. No final do século XIX, o espaço que atualmente corresponde à Praça da Meruoca (Praça general Tibúrcio), foi apropriado para a feira, como consta no Livro de Ofícios da Câmara, de 1874.32 No núcleo da matriz, o uso manteve-se predominante residencial. Ainda vendo a criação de gado como a principal atividade econômica, Sobral desenvolveu-se rapidamente rivalizando com Iço e Aracati que até então, ocupavam posição privilegiada de destaque entre os outros povoados da província.
OCUPAÇÃO E EXPANSÃO DO ESPAÇO URBANO DE SOBRAL NO SÉCULOS XIX E XX
Maria Auxiliadora Clemente identifica o período da expansão da produção algodoeira no Ceará como sendo um novo ciclo da ocupação do estado, com a incorporação de novas áreas com fins produtivos. O desenvolvimento dessa lavoura não implicou o desaparecimento da pecuária extensiva nem a perda de sua importância econômica. O algodão e o gado, muitas vezes consorciados, caracterizam a economia cearense do século XIX, mas coube ao algodão um papel relevante na pauta de exportação para o mercado internacional. Hoje, o algodão, embora sendo cultivado em moldes mais produtivos, perdeu em muito sua importância seletiva na economia do estado. Na região sobralense, a várzea do Acaraú é ainda ocupada pelo cultivo do algodão arvóreo e do herbáceo.33
A inserção da região de Sobral nesta nova dinâmica econômica ocorreu com a ocupação de diversas áreas com o plantio do algodão, com destaque para a Serra da Meruoca. Já em 1810, das 7.016 sacas exportadas do Ceará para Pernambuco, Londres e Liverpool, 1474 sacas eram provenientes de Sobral.34
Pode-se localizar no final do século XVII a reorganização da economia da capitania com base na produção agropecuária e na expansão algodoeira visando o mercado externo. O ritmo acelerado da produção acabou resultando, a médio prazo, numa queda da qualidade do produto, levando o governo a adotar, a partir de 1792, meios de controlar a qualidade do algodão a ser exportado. A prática de inspecionar o produto destinado ao mercado externo começou no Ceará, em 1800, mediante deliberação da Junta da Fazenda, determinando a saída do algodão somente pelos portos de Jaguaribe (Aracati), Mucuripe, Acaraú e Itapajé e Camocim onde era feita a triagem do produto.
A expansão do algodão contou com a abundância da mão-de-obra gerada na expansão da pecuária, com condições naturais favoráveis e com o aumento da demanda do produto pelo mercado externo, conseqüência das guerras pela independência, que reduziram a concorrência americana. Neste período, que corresponde as primeiras décadas do século XIX, a cotonicultura teve rápida expansão e a produção cearense era toda voltada para o abastecimento desse mercado. Sobra, que desde o século anterior havia se firmado como núcleo preponderante da região, foi, por conta disso contemplada com alguns atos e decisões publicas que anteriormente consolidaram sua posição hegemônica na zona norte do estado.
Por volta de 1802, a comercialização do algodão passou a se concentrar em Fortaleza e, para tanto, foi necessária a estruturação de uma rede de estradas que cortassem o interior e fizesse a ligação deste com o litoral.
“Preocupado em facilitar o transporte do algodão da zona norte da capitania para sua sede administrativa, onde em melhores condições lhe parecia dever realizar-se o embarque do produto rumo aos mercados de Pernambuco e Maranhão, fez Bernardo Manoel de Vasconcelos construir entre as Vilas de Fortaleza e Sobral, uma estrada, que, partindo de Soure, cortava a Vila da Imperatriz e de São Bento d`Amontada.
Idênticos propósitos igualmente o levaram a articular Sobral a Granja por um caminho que se estendia até as margens do Paraíba, rio cujo leito ele julgava se alinhar lindeira entre o Ceará e o Piauí”.35
As estradas, que foram determinantes para a formação da cidade e para a fixação de Sobral como pólo na região, continuam a ter sua importância nesse período, já ampliam as possibilidades de transações com outras regiões, como também estabelecem o contato com o litoral – núcleo central administrativo. Este, inclusive é um dos aspectos ressaltados pelo Ouvidor Desembargador José Antônio Rodrigues de Carvalho em 1816.36
“Tem a estrada, que vai para a Fortaleza, larga e plana, ao N. da Serra de Uruburetama e outra que vai pela mesma serra. Tem uma no interior para o Campo Maior, e segue para Pernambuco, (...). Tem a da Granja, e continuação do Maranhão. A que vai para a capitania do Piauhi segue por Santa-Quitéria ou por Villa Viçoza, seguindo o ponto em que se quer entrar.”
Por esta época, a Vila de Sobral tinha uma Casa de Câmara e Cadeia por acabar e possuía 237 casas. Alguns anos depois a Câmara iniciou vários pedidos de verbas para a construção de algumas edificações que respondessem as diversas necessidades da vila, tais como uma Nova Cadeia e uma Casa de Correção. Outra preocupação do poder público foram os lugares de sepultamento. A prática de se enterrar os mortos nos terrenos das Igrejas passou a ser condenada por questões da salubridade e higiene pública. Desde 1841, encontra-se expressa essa preocupação na documentação remetida ao presidente da província, mas somente em 1861 a cidade vai ter um cemitério, o São José, cujo o terreno fora bento em 1852. No entanto na década de 50, parte dos mortos passou a ser enterrada no terreno que foi cercado de pau-a-pique, e que corresponde a atual Praça do Patrocínio, hoje ocupada por Igreja do mesmo nome.
Tanto este terreno quanto o cemitério que foi posteriormente construído, ao começarem a ser utilizados, localizavam-se longe da área. No entanto, em poucos anos (por volta de quinze), dada a expansão da cidade encontravam-se dentro da área urbana, desta maneira pode se perceber o ritmo do crescimento da cidade, bem como sua direção.
A construção de um Novo Mercado, entre 1818-1821(o antigo localizava a Rua da Gangorra), construiu um elemento importante na definição espacial de Sobral, entre os núcleos da Matriz e do Rosário, onde hoje é a Praça Coronel José Sabóia, o mercado, como já mencionado, ocupou um terreno alagadiço que foi necessário aterrar para responder as necessidades de melhor adequação espacial para a realização das atividades comerciais em expansão. O mercado, continuou a agrupar, na sua área, a principal concentrarão comercial da cidade e, portanto, um considerável contingente de pessoas que para ali convergia, até 1930, quando o prédio foi demolido. O novo mercado foi inaugurado em 1940, no subúrbio do Junco.
No que diz respeito às edificações religiosas, a primeira metade do século XIX, em Sobral, se caracteriza pela transformação de alguns nichos de oração em Igrejas. A Capela das Dores (1818) e a Igreja de Santo Antônio (1853) são exemplos dessa tendência. Merecem registro a construção da Igreja do Menino Deus, iniciada em 1810, em decorrência da vinda para a cidade de freiras carmelitas e da criação de um pequeno convento.
Em documento de 24 de abril de 1847, enviado pela Câmara de Sobral ao Presidente da Província em razão de um imposto, encontra-se um relato que nos fornece informações relativas a economia de Sobral:
“...pois que sendo essa taxa imposta sobre os gêneros exportados os Portos do Império, e sendo a solla, e couros e os únicos gêneros que constitui a maior exportação da Pronvíncia e principalmente da Comarca de Sobral, tendo seu consumo nas Praças para onde são exportados, não tem por isso estes últimos anos fornecido lucros alguns na sua venda àquelles que tem ocupado com esse gênero da indústria, e que se vão na vigorosa necessidade de o não abandonar, por que era o único meio vantajoso de transferirem seus capitães para Pernambuco, e Maranhão onde iam permutar por gêneros de importação de que precisavam para seu comércio resultando dahi somente a vantagem de serem forçados a mandar para fora o pouco numerário existente...”
Por meio desse relato, percebe-se que a atividade comercial continuou a caracterizar, ao longo do Século XIX, a economia de Sobral. A intensa relação com as Praças de Pernambuco e Maranhão também manteve sua importância na Vila, o comércio expandiu-se como estabelecimento de várias lojas, de fazendas e de secos e molhados, as quais se dedicavam parte de seus moradores.
Nas serras da Meruoca e do Rosário, nas terras próximas e no sertão, a agricultura (mandioca, cereais, cana-de-açúcar e frutas) continuou em expansão, enquanto nos campos e prados cresceram os pastos para o gado. Desenvolveram-se, então, pequenas unidades produtivas de queijo e manteiga.
A vila, que em 1841 fora elevada à categoria de cidade37, contava então com 14 ruas, 6 travessas, 14 becos e algumas poucas praças, já relativamente bem habitadas. Poucos anos depois, já se demonstrava preocupação quanto ao desenho de suas ruas e seu embelezamento. Em 1860, foi feito um plano de urbanização que mesmo não tendo sido realizado, demonstra a preocupação do lugar que buscava construir especialmente a representação de uma estabilidade e de uma supremacia alcançadas.
Providências como a iluminação de alguns pontos privilegiados e a construção de praças visavam planejar e ordenar o crescimento da cidade, bem como embelezá-la. Tais práticas, permitiam também o controle de alguns espaços, adquirindo, assim, um caráter disciplinador.
Em “Notas de Viagem”, Antônio Bezerra fornece um relato da cidade no ano de 1884, descrevendo suas características físicas e suas atividades econômicas. O tamanho da área urbana, as edificações e o asseio da cidade o impressionaram de tal modo que o levaram a compará-la a Campinas. Segundo o autor:
“A edificação é compactada no centro, com alguns intervalos nas ruas dos arredores. As ruas em geral são estreitas e tortuosas, mas entre elas há algumas largas e alinhadas. A maior parte das casas e sobrados são vistosos e elegantes, sendo sua construção admiravelmente sólida.”38
Acrescenta, adiante, que “as casas são numeradas, as ruas empedradas, e por toda a cidade estão postados combustores de madeira para iluminação a querosene”39. Some-se à essa preocupação com a organização da cidade por parte do poder público, sua arquitetura, que neste século, caracterizou-se pela presença de sobrados, e tem-se uma medida do aspecto imponente que a cidade adquirida. Essas construções aliviavam comércio, na parte térrea, e residência, na parte superior.40 Sua beleza, o desenho e a organização da cidade, o volume considerável de comércio e as fazendas referenciaram as impressões que esse visitante, em missão de governo, deixou sobre Sobral.
Na década de 70, as epidemias e a grande seca que a elas se seguiu, dizimando quase todo o rebanho cearense, desestabilizam não só a cidade mas todo Estado. O elevado número de mortos, a perda das plantações, o aumento dos preços dos produtos, a transferência do gado para o Piauí e os assaltos a casas e estabelecimento comerciais marcaram aquela década e empurraram a população sem trabalho dos campos para as cidades e povoados.
Nessas circunstâncias, Sobral contou com recursos do governo da província para abastecer a cidade com gêneros alimentícios e remédios, e para construir frentes de trabalho, responsáveis pela construção da cidade e do cemitério. Esta ajuda permitiu uma baixa taxa de emigração da população e o posterior restabelecimento de sua economia.41
As frentes de trabalho também foram responsáveis pelo andamento das obras do Teatro São João, que tiveram início em 1875, embora a cidade contasse comum teatro desde 1867, o Apolo, que encerrou suas atividades em 1910. Ainda na década de 70, foi instalado um hipódromo que constituiu mais um elemento de distinção da cidade em relação às demais. Estes equipamentos traduzem o poder de alguns grupos bem situados política e economicamente, ao mesmo tempo em que relevam a existência de uma dinâmica sócio-cultural mais intensa na cidade.
Em meados do século XIX a produção do algodão atingiu safras maiores do que a das décadas anteriores, executando-se, evidentemente, os períodos de seca. A retomada do mercado externo pelo algodão americano, na década de 70, coincidiu como período da seca e das epidemias, resultando na queda da produção e da demanda externa. Somaram-se a estas condições a queda da qualidade do algodão e das sementes, além das constantes pragas.
No século XX, as políticas públicas buscaram solucionar estes problemas.Foram instituídas quatro inspetorias regionais 42 no Ceará, sendo uma delas, localizada em Sobral. Foram, então, criadas usinas centrais de beneficiamento e prensagem do produto43, inclusive,uma em Sobral.Instalaram-se fazendas produtoras de sementes, uma no vale do Acaraú e outra no Jaguaribe.
As vias de ligação com outras praças do Ceará e estados vizinhos foram fundamentais para que Sobral se firmasse como um núcleo de peso na região Norte do estado. A construção de uma via férrea ligando Sobral a Camocim. A estação de Sobral foi inaugurada em 31 de dezembro de 1882. Nas décadas seguintes, a ferrovia foi prolongada até outros municípios.
O translado das cargas da estação para o centro da cidade era feito pela Empresa Carril Sobralense. Esta empresa também explorou o serviço urbano de transporte (bondes puxados por burros). Sua única linha tinha o seguinte itinerário que contemplava, naturalmente, as áreas mais densamente povoadas da cidade;
“Partia da estação EFS indo até a Praça do Patrocínio retornava a Igreja do mesmo nome pela parte de trás, penetrando na Rua Conselheiro José Júlio, dobrava na Travessa do Xerez, entrava Cel. José Sabóia, percorrendo um pequeno tacho e passando a Igreja do Rosário, desvia a Rua Ernesto Deocleciano e subia a Rua Senador Paula até a Praça São João. Ulteriormente, a linha férrea foi prolongada até o Santo Cruzeiro, na Cruz das Almas.”44
Em termos de arquitetura, surge, nesse momento, um estilo muito característico de Sobral. São construções térreas, localizadas preferencialmente nas esquinas, com oitões artisticamente valorizados, dando para as ruas laterais. A cidade alcança um nível extraordinário de qualidade urbana. O traçado de ferrovia, limitando a expansão da cidade, contribuiu para o maior adensamento da área central e para a valorização do seu solo. As ruas largas, praças e becos estreitos integravam-se harmoniosos aos edifícios mais destacados – Igrejas, mercado e teatro -, cuidadosamente implantados para propiciar melhor visibilidade.
No século XX as ligações entre o sertão e o litoral tiveram grande impulso com a construção de várias ferrovias, consolidando Sobral como o maior centro ferroviário e rodoviário da região. A ocupação do espaço urbano foi marcada pelos processos decorrentes da industrialização da cidade. As pequenas fábricas geraram empregos e favoreceram o surgimento de outras atividades advindas da expansão industrial. As grandes fábricas, como a CIDAO( Cia. Industrial de Algodão e Óleo) e a Fábrica de Tecidos Sobral implicaram a criação de vilas operárias, que ocuparam novos espaços expandindo o perímetro da cidade. O comércio manteve também uma posição de destaque na receita de Sobral.
A criação da Diocese de Sobral, em 1915, representou um marco: seu primeiro bispo, Dom José Tupinambá da frota, foi responsável pela construção de várias edificações que redefiniram a lógica urbanística da cidade. O Seminário diocesano (hoje UVA – Universidade Estadual vale do Acaraú) e a Santa casa de Misericórdia, construídos por D. José e localizados em pontos opostos da cidade, distantes da área mais densamente ocupada, contribuíram para sua expansão.
Outras obras importantes, que consolidaram o poder do bispado de D. José, tornaram-se marcos na cidade: o Palácio Episcopal, antigo casarão do senador Paula pessoa adaptado para residência do bispo, e posteriormente, doado e ampliado para a instalação do Colégio Santana; o prédio atual Museu Dom José Tupinambá, antigo Palácio Episcopal e sobrado do coronel Bandeira de Melo; o Abrigo Sagrado Coração de Jesus; o Seminário Menor da Betânia; o Arco do triunfo, na entrada da cidade e o aterramento da Lagoa da Fazenda, para construção do acesso entre o Seminário e a cidade. A estrada de ferro Sobral – Fortaleza, inaugurada em 1954, também repercutiu na configuração do espaço urbano. Inicialmente, funcionou como um claro limite que separava da cidade uma parte da população mais carente. Mais recentemente, com o movimento de saída das residências da área central, a cidade vêm crescendo e ultrapassando os trilhos da estrada de ferro. Não apensas a estrada de ferro significou uma nova via de ligação da cidade com outros locais. As rodovias privilegiam igualmente o impulso das atividades econômicas da região. Ainda hoje, Sobral é o maior centro ferroviário do Norte do estado e um dos maiores do Ceará. A cidade ainda guarda, seja no traçado de suas ruas centrais, seja em muitas edificações, a estrutura urbana original de seu núcleo e as marcas da lenta construção e expansão de seu tecido urbano, com suas diversas ocupações e usos. A riqueza e importância de Sobral ao logo dos anos faz-se visível, inclusive, na rica paisagem que compreende a Serra da Meruoca e a silhueta de suas edificações. A importância das estradas, bem como a centralização do poder religioso, revelam como ocorreu o processo de ocupação do sertão do país.
Por:
Marta Emísia Jacinto Barbosa
Meize Regina Lucena Lucas
Raimundo Nonato Rodrigues de Souza
Regina Ilka Vieira Vasconcelos"

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